Origem Secreta dos Ciganos

A tradição dos ciganos constitui no seu todo uma tradição oculta, crepuscular. A sua idiossincrasia mágica, de caráter anímica, tão singular na sua afirmação, tão distante dos conceitos e modus-vivendi dos arianos, diríamos, judaico-cristãos, dificulta qualquer propósito de investigação sincera, qualquer tentativa de penetração por parte dos "gadjos", dos "payos" que somos, os estranhos, como eles nos chamam.
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O cigano é uma constante social no quotidiano de todos os povos, que permanece, quase mau grado para muitos, um referencial bem vivo na vivência de todos nós. Com exceção feita, provavelmente ao Japão, encontram-se dispersos por todo o mundo. O seu número estima-se em cerca de quatro milhões de almas. Em Portugal a população cifrar-se-á pelos 25.000 indivíduos, distribuídos pelas mais variadas regiões do território nacional.
A raça cigana distribui-se por várias etnias:
Etnia dos ROM : Kalderash, Lovara, Tchuara (Moldávia, Valáquia, Romênia e Hungria)
Etnia dos MANUSH ou SINTI: Manush (Alemanha do Sul, Alsácia, Prússia e França) e Sinti (Piemonte)
Etnia dos GITANOS: vindos do Egito para a Península Ibérica, África do Norte e Sul da França.
Etnia dos YENISH: considerada inferior pelas outras etnias, pela sua condição híbrida e aparecimento tardio.
Disseminados pelo mundo, aos ciganos são atribuidos diversos nominativos, através dos séculos. Para uns são os Boêmios, para outros Egípcios, Gitanos, Agarianos, Calés, Zíngaros, Rom-Kali, etc.
A sua origem constitui, de fato, um problema difícil de resolver pelos ciganólogos mais conspícuos, pois nenhuma prova se mostra conclusiva, dada a carência de documentos num povo que não possui um tradição escrita
Foi no início do século XV que eles se espalharam pela Europa. Surpreendidos, os países europeus viam chegar estes bandos de viajantes, morenos e desconhecidos. Hordas nômadas, sem religião conhecida, apesar de se confessarem cristãos, tribos vivendo de uma forma endógama (que se casam apenas com membros da tribo), servindo-se de "sinais" estranhos para fazer adivinhações.
Tal como os judeus, este povo parece carregar um fardo bem pesado sobre as costas, uma trágica maldição que o persegue desde as sombras misteriosas da sua origem. Não teria este povo, à semelhança dos judeus, traído um salvador moribundo que os condenara a marchar sempre e sempre, numa perpétua errância? Não constituiriam, acaso, o resto das dez tribos de Israel perdidas no cativeiro?
Uma das muitas crônicas à respeito desse povo diz o seguinte:
"A 17 de agosto (1422?), um domingo, chegaram aos arredores de Paris treze deles, dizendo-se "penitentes", a saber: um duque, um conde, uma dama e mais dez homens, todos eles a cavalo, dizendo-se bons cristãos e originários do baixo Egito. Eles afirmam ter sido "bons cristãos outrora", que inúmeros outros os subjugaram e levaram ao cristianismo. Os que se recusaram foram mortos, mas os que se fizeram batizar tornaram-se senhores do país, jurando conservarem-se leais, bons e guardarem a fé de Jesus Cristo até a morte. Dizem mais: "que têm um rei e uma rainha" em seu país, que residem num rico palácio, além de outras propriedades, por se terem volvido cristãos. E por isso, acrescentam, algum tempo depois de nos termos feitos cristãos, os sarracenos vieram assaltar-nos. Grande número, pouco firme em nossa fé, não resistindo à guerra, não defendendo o seu país como devia, submeteu-se, fez-se sarraceno e abjurou nosso Grande Senhor.
Assim, dizem eles, o imperador da Alemanha, o rei da Polônia e outros senhores, tendo sabido que os mesmos renunciaram tão facilmente à fé, fazendo-se logo sarracenos e idólatras, investiram contra eles, vencendo-os facilmente, como se tivessem o propósito de deixá-los em seu país para levá-los ao cristianismo. Mas o imperador e outros senhores, por deliberação do conselho, estatuíram que eles nunca mais poderiam voltar ao seu país, sem consentimento do Papa. Que, para isso, deviam is a Roma, o que de fato fizeram grandes e pequenos com enormes dificuldades para as crianças.
Ora, confessando o seu grande pecado ao Papa, que os ouvira com atenção e paciência, lhes dera uma penitência, por deliberação do concílio, de andar sete anos pelo mundo, sem fazer uso da cama, nem de outros objetos necessários ao homem. Outrossim, que os bispos e os abades or onde passassem lhes entregassem dez libras tornezas, como um auxílio para suas despesas. Entregou-lhes cartas para os mesmos, onde tudo era relatado, além de abençoá-los.
Alguns dias depois, dia de São João Bivac, a 29 de agosto, chegou o povo comum, que não teve permissão de entrar em Paris mas, por justiça, foi alojado na Capela São Dinis. Eram cerca de 120, incluindo mulheres e crianças.
Eles afirmam que deixando o seu país se compunham de mil duzentas criaturas, pois o restante morrera pelo caminho, como o rei e a rainha. Que os sobreviventes esperavam ainda possuir bens nesse mundo, porque o Santo Padre, depois de saber do seu crime e onde se dera... lhes prometera país bom e fértil, logo terminada a penitência."
Alguns estudiosos acreditam que foram habilmente induzidos a criarem o mito da sua origem egípcia e da sua conversão ao cristianismo.
A estrutura idiomática dos ciganos deriva, de qualquer modo, do sânscrito e é, já em si, bastante significativo. Comprovada cientificamente esta procedência, não deixaremos de recordar que o sânscrito tem uma conotação profunda com o "idioma sagrado dos iniciados", o senzar, assim como o Vattan, a linguagem falada pelas hierarquias dos mundos subterrâneos.
Naillant, o autor da "História dos Rom-Muni", inclui-os numa "casta sacerdotal do mundo", o que não deixa de causar surpresa, à primeira vista, dada a aparente degradação deste povo itinerante, sem tradição histórica reconhecível e sem qualquer religião ou filosofia conhecidas.
Na cabala fonética, Rom e Ram aparentam-se e Muni significa, entre outras coisas, "gente", "sábio". Teremos assim "gentes de Ram", ou mesmo, em referência à casta sacerdotal, "sábios de Ram" ou do reino solar, gente que fala um idioma que deriva da Gaya-Ciência, o idioma sagrado dos Adeptos.
Muitos poucos saberão, mas existe entre a classe patriarcal dos ciganos uma divisa muito especial:
"KAMA-MARA GIGO ASGARDI"
que significa literalmente "O povo eleito da Terra Sagrada". E Asgardi é um dos vários topônimos de Agartha, como Agarthi, Albordi, Walhallah, o Reino da Bela Aurora, dos mundos intra-terrenos. E não é por acaso que a tradição dos Rom mantém que seu verdadeiro país é celeste e que aí regressarão um dia.
Pelos ensinamentos da Eubiose a RAÇA CIGANA É ORIUNDA DOS MUNDOS INTRA-TERRENOS.
O documento que comprova isso é o Tarot iniciático dos Rom. Os ciganos dispõem de vários tarots que, segundo afirmam, derivam dos "chaturangas" que os príncipes rajputs faziam pender sobre discos de nácar ou de couro.
Se é certo que os ciganos não possuem uma tradição escrita, a tradição que lhes subjaz mantém-se estável, perene, nas imagens impressivas do seu Tarot esotérico. Livro mudo composto por 22 lâminas principais, mais eloquentemente que por qualquer livro escrito, perpetua sua mensagem.

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Uma lâmina muito importante para esta tese é a "Phuri Dai", porque em cada grupo cigano, itinerante ou não, existe sempre uma mulher, geralmente anciã, sem cuja opinião nenhuma decisão é tomada. Existe uma simbiose profunda entre a Grande Mãe, a "Phuri Dai", a Virgem Negra e a Terra, entre os ciganos.
Sara, sabemos, é a personificação da Virgem Negra e esta representa o Ventre da Terra, o mundo subterrâneo, que jaz sob a realidade aparente. As deusas-Mãe negras simbolizam o mundo lunar, o interior das coisas.
É durante o século XV que começa a circular a lenda das Três Marias. Pouco depois da crucificação, Maria Madalena, Maria Jacobé e Maria Salomé foram embarcadas num barco sem velas e sem remos, para escapar à perseguição dos judeus. A barca à deriva, acabou por aportar a Provença, numa praia próxima da foz do Pequeno Ródano.
As Três Marias estavam acompanhadas por José de Arimatéia, Lázaro e pela serva Sara, de tez escura, entre outros. As santas Marias são cultuadas hoje, na Igreja de Saintes-Maries-de-la-Mer, mas a devoção dos ciganos vai para Sara, a humilde serva negra, para a sua imagem, que se encontra na cripta do templo.
Todos os anos, gentes ciganas, provenientes de todos os cantos do mundo, de 24 a 25 de Maio, prestam o seu culto a Sara, oferendo-lhe flores, rendas, jóias e círios. Eles integram-se na célebre procissão anual, mas sabe-se que este povo nômade celebra aí, afastado dos olhares profanos, certas cerimônias secretas ao amanhecer, perto das marismas, em torno de um fogo mágico cerimonial.
Segundo a sua tradição oral, Sara, Kali, a Negra, vivia no início da era cristã na Provença, onde dirigia uma tribo dos Rom, grandes adoradores do Sol. Um dia, uma voz anunciou-lhe a chegada das Marias santas, expulsas da Palestina. Então, impelida por uma força misteriosa, reuniu sua tribo de Rom, foi ao seu encontro e, vendo a embarcação, estendeu o seu manto sobre as águas, reunindo-se as santas, que a batizaram.
O fato de um cigano se transformar num kakou, feiticeiro-curandeiro, um Homem-Árvore curador de almas ou uma "ledora" visionária de cartas, das linhas das mãos, dos signos astrais, ou de um kaldeirash manipulador de fogo, não depende de meros fatores casuísticos. O destino de muitos ciganos está marcado à nascença pelos astros, pelos ritmos energéticos das configurações das estrelas e pela tradição peculiar a certas tribos.
É o caso das crianças com "marca", crianças que nascem com sinais de uma estrela, de uma ferradura e outros estigmas significativos e reconhecidos que, logo à nascença, decidem do seu futuro. O segredo das crianças estigmatizadas, mantido secreto por tabus ancestrais regulados pela magia, é "Filho da Verdade", o "Filho do Pai", num futuro kakou ou feiticeiro. A sua importância é tanta que sua mãe será venerada toda a vida como símbolo da deusa-mãe, a virgem-mãe das catedrais.
Cristo, conhecido por algumas fontes de tradição como o Kalki-Avatara, o Cavalo Branco - o cavalo, um animal tão amado pelos ciganos - é assimilado pelos ciganos instalados no ocidente a um Homem-Árvore. Eles sublinham certos aspectos da vida de Cristo, tais como o fato de ter expirado no tronco e nos braços de uma árvore e da sua entrada em Jerusalém acompanhado por milhares de ramos de oliveira e de palmeira.
Para os Rom, Cristo é um Homem-Carvalho, pois nasceu no solstício de Inverno, o qual corresponde a esta árvore. Ora, se o carvalho simboliza para os ciganos a árvore cósmica, o verdadeiro Templo vegetal. Cristo protagoniza para eles a árvore da Vida e o Templo do Espírito. Não deixa de ser intrigante que na Catedral de Notre-Dame, em Paris, exista uma imagem de Cristo com folhas de carvalho saindo do seu corpo, muito frequentada pelos ciganos. Para os ciganos, Cristo é o grande Kakou da Palestina, um Feiticeiro Carvalho.
Um kakou disse: "O Cristo lia os pensamentos, curava os cegos, os paralíticos, amava os humildes e as prostitutas como Maria Madalena, amava os homens rudes como Pedro, os invertidos como João. Não esqueças que seu pai era carpinteiro. Este Homem era um dos nossos, era um Homem-Árvore".
Os velhos patriarcas assistem angustiados à substituição crescente do nomadismo itinerante, imerso na natureza, pelo sedentarismo convivial numa sociedade consumista, "a substituição do cavalo pelo veículo motorizado, do caldeirão ancestral pelo fogo elétrico ou a gaz, da caravana móvel pelo apartamento, da mulher respeitada pela meretriz pública."
Eles sentem, talvez, em tudo isto, os tristes sinais de desagregação e desaparecimento da sua raça, os sinais de que o fim dos tempos se aproxima.
Os Filhos do Vento, não criaram qualquer mito, pois eles são em si mesmos um enigma e um mito; não tem uma história, porque "o canto profundo do sangue e da memória não se traduz". Os Filhos do Vento, nunca quiseram, nunca precisaram de provar fosse o que fosse, porque sempre viveram com a sua própria verdade. Eles têm passado como o vento sobre as coisas deste mundo porque os Rom NÃO SÃO DESTE MUNDO!
E quando o final dos tempos, já iminente, quando o seu Homem-Carvalho vier, eles partirão, sem deixar qualquer marca no lago do mundo, para a sua pátria perdida sob as camadas subterrâneas. Esgotada a sua penitência, fatigados da sua longa peregrinação pelos caminhos da planície e montes da Terra, regressarão, enfim, à pátria adorada, essa "terra fértil e boa" que lhes está prometida.

Trechos extraídos de "A Origem Secreta dos Ciganos" - Palestra proferida em 22 de Março de 1992 na Sociedade Portuguesa de Naturalogia por Olímpio Neves Gonçalves.




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